Oremos. Senhor, escutai as orações que Vos ofereceremos todos os dias deste mês, pela consolação de nossos irmãos e irmãs falecidos, e concedei-lhes um lugar de descanso, de luz e de paz! Escutai também as orações que essas almas Vos oferecerão por nossa intenção, para que possamos finalmente obter, através de sua intercessão, as graças que Vos pedimos.
Um dos amigos de Santo Agostinho, bispo de Uzalis1, fez-lhe um dia esta pergunta: O que pensar de que se tem visto várias pessoas aparecerem após suas mortes, ir e vir nas casas como faziam antes? O que pensar ainda de que, em alguns lugares, onde há corpos enterrados, escuta-se frequentemente barulho, em uma certa hora da noite? Eu não estou longe de crer , responde o grande doutor, que esse tipo de aparição sejam frequentes e naturais para os mortos. Pois, se dependesse deles, não teria uma noite em que eu não veria aparecer minha piedosa mãe, ela que, durante sua vida, nunca se separou de mim e que me seguiu, por terra e por mar, até os cantos mais distantes. Mas estou convencido de que o Todo-Poderoso pode permitir e lhes permite aparecer algumas vezes, por razões cheias de sabedoria que nós devemos respeitar: Per divinam potentiam vivorum rebus intersunt. Por que Deus não permitiria às almas suplicantes que nos são queridas e que ainda sofrem de nos falar elas mesmas, de nos contar suas dores, de implorar nossa piedade? Com efeito, a Sagrada Escritura, a vida dos santos, a História nos mostram algumas aparições constatadas, em todas as épocas, em todos os países, diante de todo tipo de testemunhas.
Sem dúvida, alma cristã, é preciso tomar cuidado para não acreditar muito facilmente nas pessoas que pensam toda hora ver aparecer e voltar os mortos e que tomam por realidade os vãos fantasmas de uma imaginação exaltada por sua dor ou por suas lembranças. Mas, guardai-vos também de negar a possibilidade das aparições, pois a razão diz que Deus pode autorizá-las, e a experiência demonstra que Ele, de fato, autorizou-as mais de uma vez. Elas são raras, mas são possíveis.
A Sagrada Escritura nos ensina que Samuel, após sua morte, apareceu a Saul para dirigir-lhe justas e duras reprimendas. Para mim, não tenho medo de dizer em voz alta que uma das razões mais fortes para que Deus conceda aos mortos uma permissão semelhante é, sem dúvida, a ingratidão daqueles que os esquecem sobre a terra e que, ocupando-se somente de se enriquecer usufruindo de seus despojos, deixam-nos sofrer indefinidamente no Purgatório, sem pensar em aliviá-los e em libertá-los. Também, essas pobres almas aparecem normalmente aos vivos sob uma forma e em uma atitude que levam à piedade e à compaixão. Frequentemente seus rostos estão tristes, estão rodeados por chamas, soltam profundos suspiros, soltam gemidos de dor e repreendem os vivos. Às vezes, elas revelam sua presença por um ruido forte, por símbolos extraordinários: é sempre um sinal material que nos espanta e evoca sua lembrança, nos impelindo a rezar com mais fervor por sua libertação.
Bendito seja Deus que se serve de todos os meios possíveis para nos chamar ao grande dever da caridade e da gratidão aos nossos irmãos os mortos! Benditas sejam as boas almas do Purgatório, que cruzam os muros de sua prisão e voltam sobre a terra para dizer a nós, que os esquecemos tanto: tende piedade de nós!
Um jovem, vindo de uma família honrável e cristã, fiel às suas práticas de piedade, não se preocupava muito em socorrer as almas do Purgatório. Ele não rezava nunca, ou quase nunca, por seus parentes falecidos. Não só ele não praticava essa salutar devoção, mas dissuadia os outros de a praticarem, sob o pretexto de que deveriam empregar melhor a caridade. Por que, dizia ele, ocupar-se tanto do destino dos falecidos, já que eles têm assegurada a salvação e que não podem nem ofender a Deus, nem o perder? Ele também não acreditava nas aparições, que ele frequentemente ridicularizava. Para corrigi-lo, Deus permitiu a essas Almas aflitas saírem de sua prisão e aparecerem sob formas assustadoras àquele que lhes causava tão grande dano. Elas o assediaram em todo lugar e a toda hora, soltando gritos dilacerantes, enchendo seus olhos de fantasmas estranhos, gelando sua alma de estupor, não o deixavam repousar nem de dia, nem de noite. Surtiu efeito: o jovem mudou inteiramente de conduta e de opinião. Deixou o mundo, entrou na ordem de São Domingos, e tornou-se padre. Dedicou às Almas do Purgatório uma devoção toda especial. Ofereceu por elas tantas orações e tantas missas, pregou tão frequentemente e tão eloquentemente em seu favor, inspirou em tantos corações o desejo de aliviá-las, que o chamavam vulgarmente de advogado dos mortos. Ele o era de fato. Jamais se ouviram razões tão fortes, tão convincentes, tão numerosas, quanto as que saíam de sua boca, para provar que a caridade mais eminente que se pode exercer neste mundo, para com o próximo, é rezar pelos defuntos. Morreu em odor de santidade e sua alma sem dúvida voou ao Céu, perto daquelas que ele mesmo havia libertado por seus sufrágios. Imitemos tão belo exemplo de caridade.
Oremos. Meu Deus, creio que sois todo-poderoso e sumamente bom para nos enviar, quando julgais apropriado, mensageiros extraordinários, a fim de nos lembrar a memória e as necessidades dos fiéis da Igreja padecente. Vós nos provais assim o quanto desejais que venhamos em seu auxílio. Ó Jesus, sede-lhes propício! Senhor, chamai vossos filhos e nossos irmãos à morada eterna! Que a luz que não se apaga brilhe sobre eles! Que descansem em paz!
Requiescant in pace!
Em seguida, reze cada dia:
Uzalis, atual El Alia na Tunísia. ↩